“E, aqui na terra, a ninguém chameis de pai, pois um só é
vosso Pai, aquele que está nos céus.”
(Mt 23, 9)
Em toda sua vida, Jesus dirigiu-se a Deus como Pai, de modo
que a experiência filial participou do conteúdo programático de toda sua
existência. Os Evangelhos relatam, em diversos momentos, as atitudes de
reverência do Filho em sua profunda intimidade com o querido Abbá. Seja na
oração silenciosa ou no cotidiano operante, tal relação foi visivelmente
norteadora de um evento salvífico, de um encontro profundo entre Deus e a
humanidade. Parceria feliz, geradora de eternidade. Aliança que revela o sonho
mais belo de que tudo deve estar dirigido ao Criador que ama, que salva e que
santifica. E o que diz tal experiência aos tempos atuais?
Certamente, é urgente resgatar essa dimensão filial de toda
criatura, principalmente daqueles que são chamados, de maneira privilegiada, à
condição de filhos no Filho. Que os seres humanos são dotados de liberdade, de
inteligência, de poderosas forças, disso ninguém duvida. Todavia, sua liberdade
pode andar por escolhas danosas, não redimidas. Como são injustificáveis as
posturas arrogantes, de senhorio violento, de posse de um dom tão maravilhoso,
da manipulação para interesses estreitos e narcisistas da fonte partilhada para
todos! É triste, nos diversos focos de conflitos, sentir o amargo fel da
destruição estampado em tantos descasos para com a natureza, nas incontáveis
mortes violentas de tantos irmãos. Cenários tão constantes que em muitos já nem
causam indignação. Lamentável! Sem a reverência ao Senhor de tudo, em Jesus
nomeado como paizinho querido, os danos serão incomensuráveis, ainda mais
quando a razão científica, altamente tecnológica, goza de tantos poderes,
elegendo-se como única instância decisória.
Sereis irmãos, assim fica decretado! É mandamento novo.
Saída ímpar, sem escusas. Ideal distante, impossível? De alguma maneira,
desafio grande, que deve ser enfrentado sem ingenuidades. No entanto, é sol que
clareia os dias. Horizonte aberto, interpelação contínua. É somente assim que a
condição humana finita poderá, ainda, sonhar com algum tipo de paraíso. Quando
o “nós” for banido das culturas, das nações, a autodestruição tomará seu
cobiçado lugar. É preciso, pois, exorcizar qualquer tipo de pessimismo e
apressar-se em dar as mãos aos que, dia-a-dia, estão mergulhados no amor
fraterno. Há muita gente boa, de forma maravilhosa, reinventado as relações,
criando redes de solidariedade, ajudando comunidades a degustarem o sabor da
irmandade. Isso sim, vale a pena; parece com Jesus, redentor. Essa construção,
o amor de Deus vivido no cotidiano fraterno, é morada segura do Pai, santuário
divino. Não precisa invejar nenhum grande templo.
Pe. Vicente de Paula Ferreira, CSsR - Superior da Província
do Rio de Janeiro
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