Quaresma: uma sóbria flor existencial!
É comum nas margens das estradas ou jardins
encontrar, nesses tempos, as quaresmeiras. Plenamente floridas de roxo forte,
outras mais leves. Cor sóbria que a liturgia emprestou da natureza para marcar
o caminho que prepara a Páscoa. Sobriedade carregada de uma força bem vital. E
é assim: no deserto da existência, quando se debruça um pouco mais nas raízes
do viver, é possível ser parco e ser feliz. Parcimônia! Já se deparou com essa
palavra? Pois é, parece não ser muito bem vinda. Cuidado, meu irmão, com as
sutilizas do consumo. Há traições perigosas nesse campo. São grandes as
interpelações que tocam, sobretudo, prazeres, poderes e prestígios.
Há gente tentando tirar do cotidiano os tons da
rotina. Como se fosse possível viver apenas de grandes fatos, demasiadamente
expostos por informações, às vezes inconsequentes. E tudo só serve se for
muito. Exageros em campos afetivos, econômicos, religiosos; outros vivendo,
irmãos tantos, em carências absurdas. A sofreguidão por um bem estar sem
limites faz acumular na mesa de alguns e faltar para os pequenos. “Não só de
pão vive o homem, mas de toda palavra de Deus”, ensinou Jesus. Que palavra é
essa que não pode faltar no espírito humano para que ele não seja tão voraz?
Que haja um cuidado necessário com os ritos e ritmos do caminho. Excessos são
violentos, ainda que causem doces sensações de plenitude.
E os poderes? Relações distorcidas em pequenas ou
grandes escalas. Enraizado instinto de domínio, de posse. Como se o mundo e as
pessoas tivessem valor pela sua utilidade. E se não serve, descarta-se. É
assustador o índice alto de tráfico humano, por exemplo. Já imaginou: uma
escravidão mais sutil e sofisticada? Terrível onda vitimária ao serviço de
mercados perversos. “Não seja assim com vocês”, também disse Jesus. Todavia, o
reino de paz, de Deus, é contaminado até mesmo por aqueles que se dizem seus anunciadores.
Deus do céu, concedei, outra vez, uma oportunidade de conversão, antes que seja
tarde. E que a tentação da guerra seja trocada pela senha do amor oblativo.
Na experiência de Jesus, eis uma nova
possibilidade! Saber que o maior prestígio do ser humano é a possibilidade de
servir. Graça nova que vem do alto, esperando acolhida. A Páscoa acontece
quando cada gesto, cada encontro, cada aposta é fertilizada pela cotidiana
entrega agradecida. Enfim, não seria hora de plantar no jardim do coração a quaresmeira
do bom senso, da renúncia aos excessos, da amizade? “Não vos chamo servos, mas
amigos”, assim o Mestre rompeu com toda forma de violência, ainda que tenha
sido sacrificado. Demais tudo isso? Que a Páscoa de Jesus seja a esperança
redentora de cada cruz conduzida pelo amor.
Pe. Vicente de Paula Ferreira,
C.Ss.R.( Provincial )
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