E o verbo se fez carne
O terceiro domingo do Advento, no qual se pode utilizar como cor litúrgica o roxo ou o róseo, é chamado de Domingo Gaudete. Isto se dá em virtude do Introito da missa desse dia, que traz o texto de Fl 4,4-5 que, traduzido, significa: “Alegrai-vos sempre no Senhor: isto mesmo vos digo, alegrai-vos. O Senhor está perto”. Como o verbo inicial é o verbo gaudere que, no imperativo, fica gaudete, essa primeira palavra acabou dando “nome” a este domingo. Neste domingo, semelhante ao que acontece no domingo Laetare, na Quaresma, nos alegramos pela proximidade da grande solenidade que estamos a esperar, neste caso, o Natal do Senhor.
A primeira leitura, um trecho do livro do profeta Isaías, nos apresenta nos dois primeiros versículos, a vocação do profeta. O profeta foi ungido, ou seja, tornou-se um “Messias”, foi envolvido com o espírito de Deus para anunciar a boa nova aos pobres, curar as feridas da alma, pregar a redenção dos cativos e a liberdade aos presos e para proclamar um ano da graça do Senhor. O segundo trecho lido nesta liturgia, os vv. 10-11, trazendo uma ação de graças. Para expressar a intensidade da sua ação de graças o autor sagrado utiliza, como é próprio no hebraico, a expressão “Exultando, exultei”, que, em português, o nosso lecionário traduz como “Exulto de alegria”. O autor sagrado quer destacar a alegria do profeta, que percebe a salvação vinda de Deus como uma “veste” de salvação, como um “manto” de justiça, como os “adornos de uma noiva ou de um noivo”. Por fim, a leitura termina com a proclamação da ação gloriosa de Deus, que fará sua “justiça” e seu “louvor” aparecer na Terra diante de todas as nações.
Essa leitura está conectada com o mistério que estamos para celebrar. A justiça de Deus, o seu louvor, é o Cristo, que, no mistério do seu Natal, foi manifestado na Terra diante de todas as nações. Em Cristo é que a justiça do Pai, que é salvação, se manifestou para nós. O sacrifício do Senhor, sua cruz, foi o máximo louvor oferecido ao Pai no Espírito. A liturgia da Igreja é sempre atualização desse mistério único, porque só assim o Pai pode ser perfeitamente louvado. Em Lc 4,18-21 Jesus vai dizer que essa profecia se realizou plenamente n’Ele.
Assim sendo, podemos já na proximidade da celebração do nascimento do Salvador nos unir a Maria, no seu canto de ação de graças. O salmo responsorial desse domingo é formado por versículos do magnificat que, embora não seja um salmo, é um cântico de louvor encaixado dentro da narrativa do terceiro Evangelho. Ali Maria canta a Deus o seu louvor, porque ele voltou Seu olhar para os humildes, para os sedentos de justiça. No magnificat Maria reconhece a grandeza de Deus que operou nela maravilhas. Com Maria devemos alegrar-nos, atendendo ao convite do apóstolo na segunda leitura: “Estai sempre alegres! Rezai sem cessar. Dai graças em todas as circunstâncias, porque essa é a vosso respeito a vontade de Deus em Jesus Cristo.” E o motivo da nossa alegria é a chegada do “esperado das nações” (cf. Gn 49,10).
O Evangelho nos faz olhar mais uma vez para a figura de João Batista. Os vv. 6-8 pertencem ao chamado “prólogo de João”, onde o evangelista desenvolve o tema da pré-existência de Cristo: “No princípio era o Verbo...” Ouvimos hoje os dois versículos do prólogo que fazem menção a João. João veio como “testemunha”, para dar “testemunho da luz”. João não era a luz, mais veio dar “testemunho da luz”.
Nos versículos 19 a 28 temos a descrição do seu testemunho. João começa dizendo que João Batista veio como testemunha e, agora, ele descreve como que concretamente esse testemunho se deu. João está batizando e, ao ser perguntado se ele era o Messias ou o profeta, pronta e humildemente ele nega e diz a verdade sobre si mesmo: “Eu sou a voz que grita no deserto: aplainai o caminho do Senhor”. João Batista anuncia ainda que o seu batismo é prefiguração de um outro, porque depois dele virá alguém maior, do qual ele se sabe indigno se desatar até mesmo a correia dos calçados.
Somos chamados nesse tempo do Advento a imitarmos as virtudes das personagens bíblicas com as quais vamos travando contato através da escuta cotidiana da Palavra de Deus. João Batista é, sem dúvida, uma figura eminente. Assim como ele, também nós somos chamados a ser “testemunhas”. De fato, nós não somos a luz, mas isso não impede que sejamos “testemunhas da luz”. A luz é o Cristo. O próprio Credo Niceno-Constantinopolitano nos ilustra isso quando diz que Ele, o Cristo, é “Luz da Luz”. Ele veio iluminar os homens, mas quer escolher alguns para serem suas testemunhas. Não somos a luz, não somos perfeitos, erramos e muito, mas devemos buscar acertar e jamais podemos nos calar e deixar de testemunhar.
O testemunho pode sair caro, pode custar a nossa própria vida. Foi assim, ao menos, com João Batista, mas o medo não pode nos paralisar. Se Deus quer contar conosco devemos nos engajar no seu projeto amoroso, a fim de sermos suas autênticas testemunhas.
Assim como João precisamos reconhecer a verdade sobre nós mesmos. Nós não somos os salvadores, mas somos servos d’Aquele que veio nos salvar. Nós não somos a verdade, mas somos mensageiros da Verdade de um outro, do Cristo, que quer contar conosco para levarmos adiante a boa-nova do seu Evangelho.
Que os dias que ainda nos restam neste tempo de Advento sejam uma oportunidade para nos encontrarmos com a Verdade que é o Cristo. Que Ele, que é Luz, ilumine as trevas do nosso coração, e nos leve a uma atitude firme e verdadeira de conversão. Que sejamos suas “testemunhas”, a fim de espalharmos no mundo a boa-nova da salvação.
Pe. Fábio Siqueira
Vice- Diretor das Escolas de Fé e Catequese Mater Ecclesiae e Luz e Vida
Diretor Espiritual do Senatus RJ
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