Despojou-se, armando sua tenda na carne humana; esvaziou-se na morte,
vencendo-a em sua pretensão de palavra última, eis o Cristo! Rasgou o coração,
a alma, abrindo nas sombras da vida a grande clareira do amor. Oblação sem
reservas, que, no tempo passageiro, fez germinar a inusitada esperança de
eternidade.
Graça, uma espécie de aurora boreal, amanhecer diferente,
refrescante, milagrosamente oferente, dom celeste na terra dos mortais. Brisa
suave a pacificar durezas diversas; acenos ternos, trocando o beijo da traição
pelo ósculo da paz. Ah! Essa paz inquieta, exclamação espantosa, feito
madrugada desperta, a guiar os passos trêmulos de seus amigos. Tudo, tudo, bem
novo, vivente porque Ele vive.
E o que vale, agora, irmão de fé? Insistir nas debilidades,
continuar circulando ao redor dos fracassos? Não! Páscoa é primícia, fruto bom,
de outra história possível. Nela o que serve é a dança alegre dos corações que
se deixam redimir; é memória que se abre ao inesperado serviço cada instante. É
hora inaugural, novo tempo, do amor não egoísta, das vidas que se repartem em
salvífica fraternidade. Só entra em sendas pascais, quem sabe dividir o pão e a
si mesmo, gerando um cotidiano de justiça amigável. Nas cinzas da morte
violenta, de Cristo, nasce o broto desejo do céu. Quão estreitas seriam,
vaidades tantas, se não houvesse o horizonte maior da Ressurreição!
Seja, pois, Páscoa de novas posturas pessoais e coletivas. Outra
humanidade a se firmar, sem os excessos da violência e do poder. Apenas irmãos,
portadores de bandeira única, do bem; enfraquecendo, aos poucos, a perigosa
ganância de consumidores – consumidos. E na beleza de tudo que brilha no
espaço, seria possível constituir a constelação irmandade, beleza de um novo
brilho da raça humana. Estrelas? Sozinhas não serviriam senão para a projeção,
bolha ao vento, das arrogâncias individuais. Constelação? Foi o que o
ressuscitado deixou como herança, a força da luz que emana da comunidade
pascal.
Pe. Vicente de Paula Ferreira, C.Ss.R.