O Filho de Deus, descido do céu, humilde na terra, desenha cenários de incomensuráveis dimensões misericordiosas. Jesus, pleno amor-oblação, revela e realiza a vocação mais bela da criatura: a comunhão com o mistério criador. Ele, assim, também se torna condição de possibilidade para que, nos limites da criaturidade, resplandeça a humanidade nova. Sua ressurreição explicita, em comunhão com o Pai criador, na força do espírito santificador, o destino feliz que a história pode esperar. A revelação da nomeação de Deus como amor sem fronteiras, gratuidade pura, desvela os segredos mais minuciosos da maravilhosa obra criada. Como ciranda criativa, tudo gira ao redor do eixo misterioso da bondade. E mesmo que nas entranhas pecadoras do ser humano habite a sombra da maldade, somente o bem sobrevive porque o mal é a morte, sem destino, fosso silencioso da solidão, o nada. A graça é que ressuscita, cria e tudo sustenta. Quem é Jesus? Obra de amor revelado, cumprido na história e que permanece na promessa de ser fato continuado.
“Nós sabemos que passamos da morte a vida, porque amamos os irmãos” (1 Jo 3, 14). Assertiva de consequências preciosas, possível somente na descoberta da singularidade de Jesus, de sua radical, única, impensável, inédita forma de solidariedade divina. Em outras palavras, o evento da kênosis, do esvaziamento do Filho de Deus, desvela o significado mais nobre do rosto da história. Ao irromper a plena convicção de que a origem e o destino da existência humana é a comunhão, o itinerário dramático do amor vivido por Jesus, manifesta que Deus é amor encarnado. Choque tremendo para a concepção mais comum da divindade, quase sempre concebida como aquela que de tão grande anula a insignificante existência humana. Em Cristo o que acontece é o contrário. Seu excesso de oblação inaugura a possibilidade da definitiva amizade entre ser humano e Deus. E demonstra que a graça divina rege a grande orquestra da criação. Dela participa o ser humano, gerado pela sinfonia de um amor que é dom à espera de resposta.
Desse modo, o cristianismo rompe com qualquer estrutura que não seja fraterna. Apelo a um compromisso que ultrapassa toda medida, o caminho cristão ilumina o forte narcisismo humano, convidando-o a uma paradoxal abertura como indica a parábola do bom samaritano, descrita pelo evangelista Lucas. Seguindo essa preciosa proposta, já não será necessário dividir a história entre sagrado e profano porque ela é única instância na qual estão presentes a santidade e o pecado. Entre a possibilidade de mergulhar no infernal fechamento narcísico ou de acolher o dom amoroso, desenvolve-se a existência humana. No entanto, a paixão do próprio Deus, realizada na história de Jesus, antecipa, por isso mesmo, o sentido salvífico da humanidade. É daí que brota uma atenção ao cotidiano, principalmente no que tange o complexo discernimento entre a banalidade do mal e o desejo do bem.
A mediação histórica de Jesus, seus gestos e palavras, sua obediência ao Pai, é que torna possível compreender a compaixão como modo de viver, isto é, de agir e padecer com os outros em busca do amadurecimento comum das múltiplas carências às quais todo ser humano está submetido. Mais que uma abstração, trata-se de um ato de aproximação, de compaixão, de um estilo de vida. É a força inquieta do amor que desperta o encontro com a miséria do outro e com a própria miséria, mostrando que é na pequenez que se deve acolher o senhorio Deus. Em tal sentido, descortina-se a práxis da comunidade eclesial que, como igreja da compaixão, tem na opção preferencial pelo pobre a via primordial para a evangelização. Trata-se de serviço esvaziado e gratuito, do qual emerge o inesgotável sentido de viver em Deus e como amigos. É da própria dor e sofrimento que o Senhor se aproxima do sofrimento da humanidade. Cristo salva pela sua entrega filial e com ela esclarece o sentido de toda existência. Desse modo, a singularidade de Jesus faz eclodir no evento pascal a fonte do amor que vence. Amor frágil, compadecido, porém única forma de ressurreição para além do que termina na morte. Crer na ressurreição é confessar, com esperança, que quem vive a oblação conhece a Deus.
Pe. Vicente de Paula Ferreira, C.Ss.R.
Formador da Comunidade Vocacional Dom Muniz, membro da Sociedade de Estudos Psicanalíticos de Juiz de Fora
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