Sem relação cotidiana, esmerada, com o Senhor da vida, nenhuma experiência cristã sobrevive, ainda mais em tempos de tantas interpelações. Amizade aprofundada, feito gente que se doa continuamente. Ele do Céu, fonte viva; da terra, seus discípulos, sempre aprendizes. Relação diferenciada, dialogal. Não pode Jesus ser apenas extensão das emoções pessoais. Outro que interpela, provoca, faz andar. Às vezes consola; em outros momentos, inquieta, na luta contínua pela construção de seu Reino. Senhor, somente Ele; seres humanos, são criaturas. Infelizmente, quantas fragilidades em variadas formas espirituais que rondam mundo afora. Muitas delas, apenas baseadas em caricaturas de Jesus Cristo. Ou seja, recortam-se pequenas partes do Evangelho, as que mais agradam, que são convenientes, sem disposição para segui-Lo em sua globalidade. Jesus Cristo, parceiro de fé, é pessoa de história inesgotável, dom inaugural do Pai. Na terra, abriu caminhos de fraternidade, sendo Ele mesmo o amor; do céu, aprofunda o sentido da existência do cristão, com o mistério da Ressurreição. Veja, pois, o quanto é necessário cuidar de tão grande relação para que não aconteça certa anemia espiritual.
Cuidado, isso mesmo! Começa pela atenção diária aos apelos que Ele faz ao sacrário de cada consciência. A iniciativa? É d´Ele o primeiro passo. Por isso, a urgência do silêncio oracional. Horas boas para apreciar a companhia de um amigo tão nobre, que sempre bate em portas cordiais. Esvaziando a alma dos excessos, sobrará mais espaço para um encontro amoroso com o próprio amor. Vencendo medos, barreiras tantas, a oração será chave que abre o mais íntimo de cada um diante do Redentor. Rezar nem sempre é curtir sentimentos bons ou repetir palavras. Muitas vezes é apenas deixar Cristo conduzir-nos, na força do Espírito, ao encontro dos acenos de Deus. É estar com Ele em colóquios libertadores. Aliás, quem nunca derramou lágrimas, num mergulho sincero em sua condição limitada, frágil, sem fuga, certamente não experimentou o consolo divino dizendo, coragem! Cuidemos, então, da oração como se cuida daquela repartição mais sagrada que gostamos de frequentar em todos os momentos. De fato, como entender a Bíblica, alimento principal, sem escutá-la com atenção? Ou como compreender a vontade de Deus se apenas escutamos a própria vontade?
Sinceridade, para purificar armadilhas como a do auto-engano, é outro ponto importante. Uma espécie de termômetro corajoso que nos impulsiona a nos apresentar ao Senhor do jeito que somos. Com as bagagens belas, mas também com as sombras. A realidade, para além do intimismo, deve participar ativamente da amizade com Jesus Cristo. É triste encontrar pessoas tão piedosas, todavia alienadas. Não conseguem perceber nada para além de suas convicções, mergulhadas em posturas de fé superficiais e perigosas. Não se esqueça, irmão de fé, daquela história do bom samaritano. Ela é real! Deus faz um caminho de total entrega para encarnar-se em nossa frágil existência, movimento que tem sua plena realização na kênosis de Cristo. Será que ainda vamos continuar buscando-O somente no céu de nossas fantasias? Ah, como é urgente a mística do cotidiano fraterno. Uma amizade sadia com Cristo indispensavelmente nos faz ser mais amigos uns dos outros; mais sensíveis com o planeta; mais encantados com o universo. Mística não é coisa pra quem gosta de morar nas nuvens. É jeito bom dos que sabem que o Deus de Jesus Cristo mora mesmo é na história, aceitando participar, com a vida, da misteriosa aventura do amor encarnado.
Pe. Vicente Ferreira, C.Ss.R.
Superior Provincial
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