Existe em Jerusalém uma rua que se chama “Via Dolorosa”. É o caminho que todo grupo de peregrinos faz questão de percorrer levando uma grande cruz, que cada qual carrega numa parte do trajeto. Pouco importa se é preciso atravessar o movimentado sukh árabe, mercado de ruas estreitas, em meio à indiferença e ao desrespeito. Foi por aí que passou Jesus andando penosamente os 500 metros que separam o pretório de Pilatos do Calvário. Enquanto a gente vai pisando as pedras molhadas com seu suor e sangue, vai meditando e revivendo o Mistério Pascal, centro de nossa fé, chorando os pecados como Pedro, aprendendo a ser solidário como o Cireneu e a Verônica, abrindo-se como o Bom Ladrão à fé no Messias sofredor, para estar junto à cruz como Maria e o discípulo amado, e ali acolher com eles a Palavra que salva, o Sangue que purifica, o Espírito que dá a vida.
Os peregrinos que desde os primeiros séculos visitaram os Lugares Santos da Paixão, voltavam para suas terras com o desejo de reproduzir em suas próprias igrejas aquele caminho que tinham percorrido em Jerusalém. Daí nasceu a Via Sacra, ou “Caminho Sagrado”, em torno do século XIII, tempo de São Bernardo e São Francisco de Assis. Quando se estendeu a toda a Igreja do Ocidente, no século XV, era ainda variável o número e o conteúdo das estações, sendo fixado definitivamente em 14, pelo Papa Bento XIV, no século XVIII. Recentemente acrescentou-se a décima quinta estação, para celebrar a Ressurreição de Jesus, complemento imprescindível da sua morte na cruz.
Você já notou que, quando assiste na TV à Via Sacra do Coliseu presidida pelo Papa na noite de Sexta-Feira Santa, as estações não são as mesmas que nós conhecemos? Ele segue a chamada Via Sacra bíblica, que João Paulo II presidiu pela primeira vez no Coliseu no ano 1991. Esta Via Sacra substitui aquelas estações que não têm referência nos Evangelhos (as 3 quedas de Jesus, seu encontro com Maria e com a Verônica) por cenas descritas pelos Evangelistas. Mas ambas as formas, a tradicional e a bíblica, continuam em vigor na Igreja.
Aqui está um quadro comparativo para você entender as diferenças:
Via Sacra tradicional
1. Jesus é condenado à morte 1. Jesus no Horto das Oliveiras
2. Jesus recebe a cruz para carregar 2. Jesus traído por Judas e preso
3. Jesus cai pela primeira vez 3. O Sinédrio condena Jesus
4. Jesus encontra sua mãe Maria 4. Pedro nega Jesus três vezes
5. O Cireneu leva a cruz de Jesus 5. Jesus é entregue a Pilatos
6. Verônica enxuga o rosto de Jesus 6. Flagelação e coroação de espinhos
7. Jesus cai segunda vez
8. Jesus consola as mulheres de Jerusalém 8. O Cireneu leva a cruz de Jesus
9. Jesus cai terceira vez
10. Jesus é despojado das vestes 10. Jesus é pregado na cruz
11. Jesus é pregado na cruz 11. Diálogo com o Bom Ladrão
12. Morte de Jesus na cruz
13. Jesus é descido da cruz
14. Jesus é sepultado.
A Via-sacra pode ser rezada durante todo o ano litúrgico, mas adquire um significado especial durante a Quaresma. E quando a realizamos caminhando, tomamos mais consciência de nossa condição de discípulos seguidores de Jesus.
Em cada Via Sacra se reflete sobre os sofrimentos do nosso tempo e por isso ela nunca deixará de ser atual, pois toda dor da humanidade é continuação da Paixão de Cristo: “Onde sofre teu irmão, eu estou sofrendo nele”.
Termino com duas perguntas. Você sabia que Santo Afonso, mesmo na mais extrema velhice, não deixava de fazer a Via Sacra diariamente, percorrendo em sua cadeira de rodas as 14 estações no corredor do convento?
Você já viu, na Via Sacra da nossa igreja, que a figura de Maria está presente em todos os quadros, em todas as estações? Bela maneira com que o pintor Carlos Oswald retratou a constante participação da Mãe na obra redentora do Filho. Também nisto ela é modelo para todos nós, filhos seus.
Pe. José Raimundo Vidigal, C.Ss.R.
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