QUARTA-FEIRA
DE CINZAS
1ª Leitura: Jl 2,12-18
2ª Leitura: 2Cor 5,20-6,2
Evangelho: Mt
6,1-6.16-18
“(...) voltai para mim
com todo o vosso coração....” (Jl 2,12)
Caríssimos
irmãos, hoje tem início, com esta Eucaristia, na quarta-feira de cinzas, um
novo tempo no ciclo do ano litúrgico: o tempo da Quaresma.
A
Quaresma, palavra de origem latina que significa “quarenta”, nos conduz a duas
imagens bíblicas muito fortes: a primeira no AT, a caminhada do povo de Deus no
deserto durante quarenta anos até atingir a terra prometida por Deus a Abraão;
a segunda imagem está no NT e nela nós temos o próprio Cristo que é conduzido
pelo Espírito Santo ao deserto para ser tentado pelo diabo durante quarenta
dias.
A
Quaresma é um tempo de purificação, de retorno para Deus, a fim de que possamos
celebrar na alegria a Páscoa do Senhor. A primeira leitura, do livro do profeta
Joel, nos apresenta bem esse chamado de Deus para nós, o chamado a nos
voltarmos para Ele. Assim diz o profeta: “Agora, portanto, diz o Senhor,
voltai para mim com todo o vosso coração, com jejuns, lágrimas e gemidos;
rasgai o coração, e não as vestes; e voltai para o Senhor, vosso Deus; ele é
benigno e compassivo, paciente e cheio de misericórdia, inclinado a perdoar o
castigo”. Este é o tempo da volta. Durante o ano, tantas vezes vamos nos
afastando de Deus. Ele nunca se afasta de nós, mas nós nos afastamos d’Ele
tantas vezes... Tantas coisas vão se acumulando na nossa vida: apegos, busca
desenfreada pelos prazeres deste mundo, ativismo, falta de oração, distrações
que nos desviam do Senhor... Nossa vida vai se tornando enlouquecida, ficamos
sem rumo. A Quaresma é o tempo de voltarmos à saúde do Espírito, de nos
voltarmos para o Senhor, de rasgarmos diante d’Ele o nosso coração e de
implorarmos a sua misericórdia. Ele é benigno, Ele é compassivo e cheio de
misericórdia como nos diz o profeta, por isso podemos voltar sem medo. O Pai
nos espera na Quaresma, para nos conceder o seu perdão, a sua misericórdia, mas
nós precisamos querer voltar.
Meus
irmãos, Paulo nos diz na segunda leitura que este é o “momento favorável, é
agora o dia da salvação”; por isso, não adiemos a nossa volta para o Senhor.
Não deixemos para amanhã. Voltemo-nos hoje para o Senhor nosso Deus. E o
caminho da volta está apresentado no evangelho. Jesus é o esse caminho de volta
para Deus, mas para seguir por esse caminho precisamos da oração, do jejum e da
esmola. Jesus aqui critica duramente os hipócritas, ou seja, aqueles que
praticam a oração, o jejum e a esmola só para serem vistos pelos outros; e Ele
nos exorta a vivermos estas três práticas, na intimidade do nosso
relacionamento com Deus a fim de recebermos d’Ele a recompensa.
Estas
são as três práticas fundamentais da Quaresma: a oração, o jejum e a esmola.
A
oração nos coloca de novo em comunhão com Deus. O pecado não nos pode afastar
da oração, pelo contrário, aí é que precisamos ainda mais orar a fim de não
continuarmos a cair em tentação. O Salmo
50 que hoje rezamos é uma pela demonstração de alguém que mesmo em pecado não
fugiu da face amorosa do Senhor. Davi, depois de ter pecado contra o Senhor
pelo adultério com Betsabéia e pelo assassinato de Urias, esposo de Betsabéia,
não se afastou do Senhor, mas na sua presença fez essa oração, reconhecendo que
estava sempre diante dos olhos do Senhor, mesmo no pecado: “fiz o que é mau aos
vossos olhos...” Devemos intensificar a nossa vida de oração na quaresma. Uma
oração bíblica, inspirada pela Palavra de Deus. Este é o tempo de
redescobrirmos a Palavra de Deus na nossa oração pessoal. Este é o tempo de
redescobrirmos o valor dos sacramentos, participando de maneira consciente do
sacramento da penitência e de maneira ativa na celebração da Eucaristia. Este é
o tempo de redescobrirmos o valor da oração em comum, participando daquelas
atividades que nos são propostas pela comunidade.
O
jejum, meus irmãos, é a segunda prática que nos é aconselhada pelo Senhor. Deus
não precisa do nosso jejum como acham alguns. Deus não precisa do nosso
sacrifício para nos conceder os bens que Ele deseja conceder. Ele criou o mundo
inteiro sem que existíssemos. Todavia, nós precisamos jejuar. Por que
precisamos jejuar? Para sermos senhores do nosso corpo. Muitas vezes é o nosso
corpo que nos domina e começa a reinar na nossa vida a gula, a luxúria e a preguiça.
Ao abrir mão do prazer dos alimentos, um prazer que não é pecaminoso,
aprendemos a regular a nossa sede de prazer e nos tornamos senhores do nosso
corpo. Tornando-nos senhores do nosso corpo nos fortalecemos na luta contra o
pecado, porque aprendemos a não dar ao nosso corpo tudo o que Ele quer na hora em que Ele quer, ou seja, nos
tornamos capazes de trabalhar quando não queremos, de controlar o que a gente
vê na televisão e na internet para não cair em pecado, de controlar o nosso
impulso sexual, em resumo, o jejum é um grande benefício para nossa saúde
espiritual, porque ele fortalece a nossa vontade. Precisamos jejuar também de
algumas coisas que nos trazem prazer além do alimento. Este é um excelente
exercício para o tempo da quaresma, desde que ele seja realmente exercício e
nos eduque a fim de possamos colher os frutos de tudo isso na Páscoa.
A
esmola é o terceiro conselho que nos é dado pelo Senhor. Partilharmos aquilo o
que possuímos, confiando em Deus que é o doador de todos os bens. As vezes nos
tornamos escravos dos nossos bens, por menores que eles sejam; a esmola nos
ensina a abrirmos mão de algo que nos pertence em favor do próximo e em última
análise ela nos revela que nada do que temos aqui é realmente nosso, porque
quando partirmos para o Pai não vamos levar nada do que acumulamos aqui. A
esmola também deve ser vivida como um fruto do nosso jejum: o que deixamos de
consumir, dividimos com o irmão necessitado.
Peçamos
nessa Eucaristia que o Pai derrame sobre nós o Espírito Santo. Somente na força
do Espírito podemos trilhar esse caminho. Estamos às vezes desanimados, porque
percebemos que tantos bons propósitos da quaresma anterior não foram vividos
corretamente. Mas, não deixemos de nos empenhar e de nos comprometer. Não
deixemos o desânimo tomar conta de nós. Deixemos que o Espírito Santo tome
conta de nós. Ele nos ajudará a trilhar esse deserto. Confiemos no Senhor, e
deixemos que Ele crie em nós um coração puro e renovado como diz o salmista.
Pe. Fábio Siqueira (Homilia)
Diretor Espiritual do Senatus RJ